Artigo: O pensamento crítico e a ingestão da cicuta

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Por: Prof. Sergio A. Sant’Anna*

Este ano completarei 23 anos de docência. Comecei com 21 anos de idade, e já se passou mais de duas décadas. E ao longo deste período tenho cada vez mais a certeza de que se faz necessário a formação de cidadãos críticos.  Destes que pensem, reflitam, e não aceitem inverdades, posições esdrúxulas, conceitos que firam ao ser humano. A BNCC (Base Nacional Comum Curricular) tem em suas dez competências gerais, o pensamento crítico, criativo e científico como a segunda competência. O MEC (Ministério da Educação) compreende-a como indispensável à formação integral do cidadão.

Em meio a tantas discussões ineficazes, conceitos ancorados no preconceito, trabalhar o pensamento crítico é tecer uma rede de cidadãos que pensem de maneira clara, objetiva, envolvendo-se em momentos reflexivos e independentes. Segundo a Escola da Inteligência: “De acordo com a Stanford Encyclopedia of Philosophy, a adoção do pensamento crítico como objetivo educacional foi recomendada com base no respeito à autonomia dos estudantes e na preparação destes para o sucesso na vida e para a cidadania democrática. Além disso, demonstrou-se experimentalmente que a intervenção educacional aprimora as habilidades do pensamento crítico, principalmente quando inclui diálogo, instrução ancorada e orientação. Esses argumentos, sem dúvida, fazem da escola um bom ambiente para que a criança/adolescente desenvolva as habilidades necessárias ao pensamento crítico, uma vez que está exposta a um sem-número de informações propícias ao fomento de reflexões consistentes”. De fato, o cidadão para mudar esta Nação necessita de criticidade.

Diante de tantas atrocidades, discursos de ódio, incentivo ao porte de armas, discriminação, degradação ambiental, homofobia, feminicídio, racismo, substantivos que se proliferaram nos últimos anos, faz-se vital o incentivo à criticidade. Distante deste pensamento doutrinador, difundido por muitos, porém relevantes à reflexão, o pensamento crítico não possui pausas para a subjetividade. Esta forma de pensar não é construída sobre métodos intransigentes e velozes, e sim em concepções e preceitos. Ela não se vale tão somente da lógica, seja ela formal ou informal, mas também de noções mentais mais vastas, tais como nitidez, confiabilidade, precisão, importância, valor expressivo. O pensamento crítico baseia-se no estudo pormenorizado e na estimativa substanciosa dos argumentos, particularmente aqueles que o grupo social acredita serem autênticos no cenário do dia-a-dia. Este parecer é concretizado especialmente por meio da reflexão, da vivência, da argumentação ou da metodologia adotada pela Ciência. Este pensamento demanda nitidez, exatidão, igualdade e indícios, uma vez que tem como meta impedir que se recorra às visões pessoais. Assim considerado, ele está ligado à dúvida permanente e à percepção das simulações. Por meio desta prática o sujeito invoca os elementos cognitivos e o intelecto para atingir uma postura aceitável e compreensível acerca de uma dada proposição.

Ser socrático hoje, não é mais a escolha de um filósofo o qual você se simpatiza, todavia o recorrer às informações fidedignas, declarar a sua própria estupidez e navegar diante deste mar de conhecimentos que se avizinha, analisando, refletindo, que somos incompletos, falta-nos sabedoria. Quanto mais leio, mais percebo o terreno abissal que me separa do saber. Para que a criticidade seja semeada e incutida em cada cidadão, é necessário deixar o narcisismo de lado e passar a contemplar o dialogismo socrático. Afastar-se dessas informações não-filtradas apresentadas pelas redes sociais como se a Terra 2 fosse o verdadeiro mundo, o real, o que deve ser vivido. Fomos tragados pela voracidade da ignorância a partir do momento em que as redes sociais deram voz à intolerância, ao desamor, ao ódio, à paixão político-partidária etc. A subjetividade esmorece com o pensamento crítico, neutraliza a capacidade de refletir inerente ao ser humano.

A passividade e a padronização social ganhas com a tensão social imposta por aqueles que verbalizam a subjetividade, seja utilizando a palavra de Deus em vão, semeando o amor através da demonização do outro ou mesmo estabelecendo a justiça através do porte de armas, não devem ser impostos, muito menos proliferados como verdades. O princípio máximo do pensamento crítico é questionar o que lê ou escuta e tentar chegar o mais próximo possível das informações objetivas, e com o mais alto grau de exatidão.

Seremos sim uma Nação feliz a partir do momento em que a subjetividade e o favorecimento derem lugar à criticidade. Portanto, mais reflexão, mais razão e menos apadrinhamento, paixão ao retrocesso, apoio à desigualdade social. Veremos assim que não será preciso a ingestão da cicuta.

*Prof. Sergio A. Sant’Anna – Professor de Redação nas Redes Adventista e COC em SC e jornalista.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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